Viva Canudos

Um amigo francês muito culto me disse outro dia depois de algumas cervejas: “se você substituir a palavra ‘cultura’ na filosofia positivista pela palavra ‘raça’, você tem o nazismo”. E continuou, “pena que não tivemos um episódio como a Guerra de Canudos e um livro como Os Sertões na história da França”.

Comecei a refletir sobre o depoimento. O Brasil na época da Guerra de Canudos era uma república recém fundada sob os preceitos da filosofia positivista. O exército brasileiro tinha acabado de vencer a Guerra do Paraguai. Aí um bando de sertanejos, — uma mistureba de beatos, jagunços e desagregados em geral liderada por um fanático religioso –, monta uma comunidade que começa a crescer num lugar improvável, uma comunidade insignificante que não reconhece a república e que quer reviver a monarquia.

O exército brasileiro é convocado para acabar com a palhaçada com o nobre álibi de levar cultura e civilização àquela subraça bárbara.

E todos sabem no que deu. O exército brasileiro tomou um pau então inimaginável. No começo, os sertanejos estavam praticamente desarmados, no final, armados com as armas abandonadas pelo exército. Foram quatro expediçoes, milhares de soldados mortos, fulgas desesperadas. Uma humilhação imensa — não foi à toa que o Euclides da Cunha morreu do jeito que morreu, num duelo por um militar que chifrou ele com a mulher.

E no final Canudos não se rendeu, resistiu até o último homem.

E depois da vitória foi o exército civilizado que barbarizou quem sobreviveu na cidade.

Esta guerra teve um significado imenso na história do Brasil. Ajudou ao país se descobrir e formar uma identidade nacional mais autêntica. Relativizou a ideologia da filosofia positivista. Mostrou ao Brasil civilizado que o povo mestiço do sertão não é uma subraça, fraca e incapaz, muito pelo contrário …

Sem a Guerra de Canudos o Brasil não seria hoje um país culturalmente moderno.

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